Estamos aqui diante de uma escala de fenômenos psíquicos que começa com formas relativamente inócuas, como a elevada opinião, não inteiramente justificada, que alguém tem de si mesmo, ou o desejo um tanto exagerado de seguir sua própria opinião. O segundo grau é francamente perigoso quando se manifesta nele um negativismo depreciativo em relação aos outros, com as faculdades de apreciação, da gratidão e da adoração concentradas em si mesmo. O terceiro grau constitui uma catástrofe raramente remediável; trata-se de obsessão ilustrada por ilusões facilmente reconhecíveis como tais - ou da megalomania pura e simples. Eis, pois, os principais graus de inflação: importância exagerada atribuída a si mesmo, complexo de superioridade de tendência obsessiva e megalomania. O primeiro grau indica tarefa prática para o trabalho sobre si mesmo; o segundo grau é provação séria, ao passo que o terceiro é a catástrofe...
(...) Ora, a inflação é o risco principal pelo qual passam todos aqueles que procuram a experiência da profundeza, a experiência do que é oculto, do que vive e age atrás da fachada dos fenômenos da consciência ordinária. A inflação constitui, portanto, o principal perigo e a maior prova dos ocultistas, dos esoteristas, dos magos, dos gnósticos e dos místicos. Sabem-no há muito os mosteiros e as ordens espirituais, com sua experiência milenar no domínio da vida profunda. É por isso que sua prática espiritual se baseia inteiramente na procura da humildade por meios como a prática da obediência, o exame de consciência, a confissão e o auxílio mútuo. Se Sabbatai Zevi (1625-1676) tivesse sido membro de uma ordem espiritual com disciplina semelhante a dos mosteiros cristãos, sua iluminação nunca o teria levado a se revelar (em 1684) a um grupo de discípulos como o Messias anunciado...
(...)Conheci, há 38 anos, um homem tranquilo, de idade madura, que ensinava inglês em Ymca, na capital de um país báltico. Certo dia revelou ele que atingira o estado espiritual que se manifesta pela ‘visão eterna’, e que é o da consciência da identidade do si mesmo com a Realidade eterna do mundo. O passado, o presente e o futuro – vistos do patamar da eternidade, onde sua consciência tinha sua morada- eram para ele um livro aberto. Ele não tinha mais problemas, não porque os tivesse resolvido, mas porque tinha atingido o estado de consciência no qual eles desaparecem, por terem perdido sua importância. Porque os problemas pertencem ao domínio do movimento no tempo e no espaço; quem transcende esse plano chega ao domínio da eternidade e da infinidade, no qual não há movimento nem mudança, está livre de problemas.Enquanto ele me falava dessas coisas, seus belos olhos azuis brilhavam de sinceridade e certeza. Mas essa luz foi substituída por uma aparência contrariada e aborrecida logo que levantei a questão do valor do ‘sentimento subjetivo da eternidade’, sem saber nem poder objetivamente fazer alguma coisa a mais para ajudar a humanidade, seja no seu progresso espiritual, seja em seu sofrimento espiritual, psíquico e corporal. Ele não me perdoou essa pergunta, e a última recordação dele neste mundo foram suas costas voltadas para mim (ele viajou para a Índia, onde pouco depois morreu vitimado por epidemia).Se narro este episódio de minha vida, caro Amigo Desconhecido, é para indicar-te quando e como o importante problema das formas e dos perigos da megalomania espiritual se apresentou a mim pela primeira vez. A megalomania espiritual é antiga como o mundo. A sua origem, segundo a tradição milenar concernente à queda de Lúcifer, se encontra acima do mundo terrestre. O profeta Ezequiel a descreve de modo impressionante:
‘Tu eras um modelo de perfeição,
cheio de sabedoria,
de beleza perfeita.
Estavas no Éden, jardim de Deus.
Engalanavas-te com toda sorte de pedras preciosas:
Rubi, topázio, diamante, crisólito, cornalina,
Jaspe, lazulita, turquesa, berilo;
de ouro eram feitos os teus pingentes
e as tuas lantejoulas.
Fiz de ti o querubim protetor de asas abertas;
estavas no monte santo de Deus e
movias-te por entre pedras de fogo...
O teu coração se exaltou com tua beleza.
Perverteste a tua sabedoria por causa do teu esplendor.
Assim te atirei por terra
e fiz de ti um espetáculo à vista dos reis...” (28, 12- 19)
Eis qual é, nas alturas celestes, a origem da inflação, do complexo de superioridade e da megalomania espiritual. E visto que ‘o que está em baixo é como o que está em cima’, isso se repete em baixo, na vida humana terrestre, de século em século, de geração em geração; Isso se repete principalmente na vida das pessoas humanas que se afastam do meio comum terrestre e do estado de consciência que ele comporta e que as transcende, seja no sentido da altura, seja no da largura, seja no da profundeza. Aquele que aspira a um plano mais alto que o do meio terrestre pode tornar-se altivo; aquele que procura a largura além dos limites do círculo normal de seus deveres e de suas alegrias terrenas corre o risco de considerar-se cada vez mais importante; aquele que quer a profundeza subjacente à superfície dos fenômenos da vida terrena corre o risco maior: o da inflação da qual fala C. G. Jung.
O metafísico abstrato que arranha os mundos na ordem escolhida por ele pode perder todo interesse pelo particular e pelo individual e chegar a considerar as pessoas humanas quase tão insignificantes como insetos. Ele as vê de cima para baixo. Vistas de sua altura metafísica, elas perdem suas proporções e se tornam pequena até a insignificância – ao passo que ele, o metafísico, é grande porque participa das grandes coisas da metafísica.O reformador que quer corrigir ou salvar a humanidade sucumbe facilmente à tentação de considerar-se o centro ativo do círculo passivo da humanidade. Considerando-se portador da missão de alcance universal, ele se sente cada vez mais importante.
O ocultista, o esoterista ou hermetista prático (se ele não for praticante, será apenas metafísico ou reformador) experimenta as forças superiores que agem além da consciência e que penetram nele. A qual preço? – Ao preço da adoração de joelhos – ou ao preço da identidade de si mesmo com elas, o que leva à megalomania...(...) Não, nem a magia negra, nem as desordens nervosas constituem os perigos especiais do ocultismo. O seu perigo principal – que aliás, não é monopólio- se define em três termos: complexo de superioridade, inflação, megalomania.Com efeito, é raro o ocultista experimentado isento desse mal moral ou que não o tenha sofrido no passado. A tendência megalomaníaca manifesta-se um pouco por toda parte entre os ocultistas. É o que a leitura da literatura ocultista e dezenas de anos de relações pessoais me ensinaram. Esse defeito moral tem muitos graus. Ele se manifesta, em primeiro lugar, por certo desembaraço e certa sem-cerimônia no modo de falar das coisas superiores e sagradas. Em seguida ele se afirma como ‘saber mais’ e ‘saber tudo’, isto é, como um modo de tomar a atitude de mestre de todo mundo. Por fim, ele se manifesta como infabilidade implícita ou mesmo explícita.
Não desejo citar passagens da literatura oculta, com nomes, nem mencionar fatos biográficos de ocultistas conhecidos, a fim de provar ou ilustrar esse diagnóstico. Não te será fácil, caro Amigo Desconhecido, encontrá-los por ti mesmo em abundância. A minha intenção aqui é rejeitar as falsas acusações levantadas contra o ocultismo e mostrar o verdadeiro perigo que ele comporta.A antiga sentença ORA ET LABORA contem a única resposta. A ADORAÇÃO e o TRABALHO constituem o único remédio que conheço, tanto profilático quanto curativo contras as ilusões megalomaníacas. Devemos adorar o que está acima de nós e participar do esforço humano no domínio dos fatos objetivos, para podermos escapar das ilusões a respeito do que SOMOS e do que PODEMOS.
Porque quem sabe elevar sua prece e sua meditação ao nível da adoração pura estará sempre consciente da DISTÂNCIA que separa (e une ao mesmo tempo) o adorador do adorado. Assim ele não será tentado a adorar a si mesmo, o que, em última análise, é a raiz da megalomania. Ele terá sempre em vista a diferença entre si e o adorado. E não confundirá O QUE ELE É com o que é o SER ADORADO. Por outro lado, aquele que TRABALHA, isto é, toma parte no esforço humano para a obtenção de resultados objetivos e verificáveis, não se iludirá facilmente a respeito do QUE PODE. Por exemplo, um médico inclinado a superestimar seu poder de curar aprenderá logo, com experiência dos malogros, a conhecer seus reais limites.Jacob Boehme era sapateiro e iluminado. Se ele teve a experiência da iluminação...não concluiu que, enquanto sapateiro, pudesse mais, daí por diante, do que seus colegas de profissão ou mais do que ele mesmo podia antes da iluminação. Por outro lado, a sua iluminação lhe ensinou a grande de Deus e do mundo...e o encheu de ADORAÇÃO...
Foram, pois, o TRABALHO PROFISSIONAL E A ADORAÇÃO DE DEUS que protegeram a saúde moral de Jacob Boehme. A minha experiência no domínio do esoterismo me ensinou que o que foi salutar no caso de Boehme o é também para todos aqueles que aspiram às experiências supersensoriais.A adoração e o trabalho-ORA ET LABORA- constituem, pois, a condição SINE QUA NON do esoterismo prático para manter sob controle a tendência para a megalomania. Todavia, para se obter a IMUNIDADE contra essa enfermidade é preciso mais ainda. É preciso ter a experiência do ‘encontro concreto’ com algum ser superior. Por ‘encontro concreto’ entendo não o sentimento do ‘si mesmo superior’, nem o sentimento mais ou menos vago da ‘presença de um ser superior’, nem mesmo a experiência da ‘onda de inspiração’ que nos enche de vida e luz – não, o que entendo por ‘encontro concreto’ é um encontro verdadeiro e verdadeiramente concreto, isto é, face a face.
Ele pode ser espiritual – o face a face na visão- ou fisicamente concreto. Assim santa Teresa de Ávila (para citarmos só um exemplo) encontrava o Mestre, conversava com ele, pedia e recebia dele conselhos e instruções no plano espiritual objetivo (sim, a espiritualidade não é exclusivamente subjetiva, ela pode ser também objetiva). Assim ainda Papus e o grupo de seus amigos ocultistas encontrou Monsieur Philippe de Lião no plano físico. São dois exemplos do que entendo por encontro concreto.Ora, aquele que teve a experiência do encontro concreto com um ser superior (um justo, um santo, um anjo ou outro ser hierárquico, a Santíssima Virgem, o Mestre...) torna-se imunizado contra a tendência para a megalomania. A experiência desse face a face com o que é Grande comporta necessariamente a cura completa e a imunidade contra toda tendência megalomaníaca. Jamais um ser humano QUE VIU E OUVIU poderá fazer de si mesmo um ídolo. Mais ainda: o verdadeiro e último critério da realidade das experiências ditas ‘visionárias’, isto é, o critério de sua autenticidade ou de sua falsidade, é o EFEITO moral dessas experiências no vidente, a saber, se ele se torna mais humilde ou mais pretensioso. A experiência dos encontros com o Mestre tornou santa Teresa cada vez mais humilde. A experiência terrestre do encontro com Monsieur Philippe tornou Papus e seus amigos ocultistas mais humildes. Essas duas experiências – por mais diferentes que fossem quanto ao sujeito e ao seu objeto- eram autênticas. Papus não se enganou sobre a grande espiritual daquele que ele reconheceu como seu “mestre espiritual”. Santa Teresa não se enganou sobre a realidade do Mestre que ela viu e ouviu.Lê a Bíblia, caro Amigo Desconhecido, e encontrarás muitos outros exemplos da seguinte lei: A EXPERIÊNCIA AUTÊNTICA DO DIVINO TORNA HUMILDES; AQUELE QUE NÃO É HUMILDE NÃO TEVE EXPERIÊNCIA AUTÊNTICA DO DIVINO. Considera os apóstolos, que “viram e ouviram” o Mestre, e os profetas, que “viram e ouviram” o Santo de Israel –
não encontrarás neles nenhum sinal das tendências da ‘hybris’ ...Mas, se é necessário “ver e ouvir” para se aprender a fundo a lição de humildade, que dizer das pessoas que são “naturalmente” humildes, mas não “viram nem ouviram”?Sem prejuízo de outras respostas, também válidas, a minha é que todos os que são humildes VIRAM E OUVIRAM outrora e em algum lugar – pouco importando se se lembram disso ou não. A humildade pode ser a reminiscência real (não intelectual) que a alma tem da experiência noturna sucedida durante o sono e permanecendo no domínio do inconsciente, ou, enfim, o efeito da experiência presente, consciente ou inconsciente, não confessada a si mesmo nem aos outros. Porque a humildade – como a caridade- não é qualidade natural da natureza humana. Sua origem não pode ser encontrada no domínio da evolução NATURAL; não é possível concebê-la como fruto da luta pela existência, como fruto da seleção natural e da sobrevivência do mais forte com sacrifício do mais fraco. Porque a escola da luta pela existência não produz humildes, mas lutadores e guerreiros de toda espécie. Ela é, portanto, uma qualidade que deve provir da ação da GRAÇA; ela deve provir do alto. Ora, os “encontros concretos face a face” dos quais falamos aqui são sempre e sem exceção acontecimentos devidos à Graça, uma vez que são ENCONTROS nos quais o ser superior se aproxima, por vontade própria, do ser inferior. O encontro que transformou o fariseu Saulo no apóstolo Paulo não foi devido aos seus esforços, e sim ato daquele que ele encontrou. O mesmo vale para todos os encontros “face a face” com seres superiores. O que compete a nós é “procurar”, “bater” e “pedir”; o ato decisivo vem do alto.
Meditações sobre os 22 arcanos maiores do Tarô, publicado anonimamente no original e na tradução acima (mas hoje em dia é amplamente divulgada a autoria deste livro como de Valentim Tomberg, não havendo mais necessidade de manter o anonimato). Paulus: São Paulo, 2005, pp. 164-175
(...) Ora, a inflação é o risco principal pelo qual passam todos aqueles que procuram a experiência da profundeza, a experiência do que é oculto, do que vive e age atrás da fachada dos fenômenos da consciência ordinária. A inflação constitui, portanto, o principal perigo e a maior prova dos ocultistas, dos esoteristas, dos magos, dos gnósticos e dos místicos. Sabem-no há muito os mosteiros e as ordens espirituais, com sua experiência milenar no domínio da vida profunda. É por isso que sua prática espiritual se baseia inteiramente na procura da humildade por meios como a prática da obediência, o exame de consciência, a confissão e o auxílio mútuo. Se Sabbatai Zevi (1625-1676) tivesse sido membro de uma ordem espiritual com disciplina semelhante a dos mosteiros cristãos, sua iluminação nunca o teria levado a se revelar (em 1684) a um grupo de discípulos como o Messias anunciado...
(...)Conheci, há 38 anos, um homem tranquilo, de idade madura, que ensinava inglês em Ymca, na capital de um país báltico. Certo dia revelou ele que atingira o estado espiritual que se manifesta pela ‘visão eterna’, e que é o da consciência da identidade do si mesmo com a Realidade eterna do mundo. O passado, o presente e o futuro – vistos do patamar da eternidade, onde sua consciência tinha sua morada- eram para ele um livro aberto. Ele não tinha mais problemas, não porque os tivesse resolvido, mas porque tinha atingido o estado de consciência no qual eles desaparecem, por terem perdido sua importância. Porque os problemas pertencem ao domínio do movimento no tempo e no espaço; quem transcende esse plano chega ao domínio da eternidade e da infinidade, no qual não há movimento nem mudança, está livre de problemas.Enquanto ele me falava dessas coisas, seus belos olhos azuis brilhavam de sinceridade e certeza. Mas essa luz foi substituída por uma aparência contrariada e aborrecida logo que levantei a questão do valor do ‘sentimento subjetivo da eternidade’, sem saber nem poder objetivamente fazer alguma coisa a mais para ajudar a humanidade, seja no seu progresso espiritual, seja em seu sofrimento espiritual, psíquico e corporal. Ele não me perdoou essa pergunta, e a última recordação dele neste mundo foram suas costas voltadas para mim (ele viajou para a Índia, onde pouco depois morreu vitimado por epidemia).Se narro este episódio de minha vida, caro Amigo Desconhecido, é para indicar-te quando e como o importante problema das formas e dos perigos da megalomania espiritual se apresentou a mim pela primeira vez. A megalomania espiritual é antiga como o mundo. A sua origem, segundo a tradição milenar concernente à queda de Lúcifer, se encontra acima do mundo terrestre. O profeta Ezequiel a descreve de modo impressionante:
‘Tu eras um modelo de perfeição,
cheio de sabedoria,
de beleza perfeita.
Estavas no Éden, jardim de Deus.
Engalanavas-te com toda sorte de pedras preciosas:
Rubi, topázio, diamante, crisólito, cornalina,
Jaspe, lazulita, turquesa, berilo;
de ouro eram feitos os teus pingentes
e as tuas lantejoulas.
Fiz de ti o querubim protetor de asas abertas;
estavas no monte santo de Deus e
movias-te por entre pedras de fogo...
O teu coração se exaltou com tua beleza.
Perverteste a tua sabedoria por causa do teu esplendor.
Assim te atirei por terra
e fiz de ti um espetáculo à vista dos reis...” (28, 12- 19)
Eis qual é, nas alturas celestes, a origem da inflação, do complexo de superioridade e da megalomania espiritual. E visto que ‘o que está em baixo é como o que está em cima’, isso se repete em baixo, na vida humana terrestre, de século em século, de geração em geração; Isso se repete principalmente na vida das pessoas humanas que se afastam do meio comum terrestre e do estado de consciência que ele comporta e que as transcende, seja no sentido da altura, seja no da largura, seja no da profundeza. Aquele que aspira a um plano mais alto que o do meio terrestre pode tornar-se altivo; aquele que procura a largura além dos limites do círculo normal de seus deveres e de suas alegrias terrenas corre o risco de considerar-se cada vez mais importante; aquele que quer a profundeza subjacente à superfície dos fenômenos da vida terrena corre o risco maior: o da inflação da qual fala C. G. Jung.
O metafísico abstrato que arranha os mundos na ordem escolhida por ele pode perder todo interesse pelo particular e pelo individual e chegar a considerar as pessoas humanas quase tão insignificantes como insetos. Ele as vê de cima para baixo. Vistas de sua altura metafísica, elas perdem suas proporções e se tornam pequena até a insignificância – ao passo que ele, o metafísico, é grande porque participa das grandes coisas da metafísica.O reformador que quer corrigir ou salvar a humanidade sucumbe facilmente à tentação de considerar-se o centro ativo do círculo passivo da humanidade. Considerando-se portador da missão de alcance universal, ele se sente cada vez mais importante.
O ocultista, o esoterista ou hermetista prático (se ele não for praticante, será apenas metafísico ou reformador) experimenta as forças superiores que agem além da consciência e que penetram nele. A qual preço? – Ao preço da adoração de joelhos – ou ao preço da identidade de si mesmo com elas, o que leva à megalomania...(...) Não, nem a magia negra, nem as desordens nervosas constituem os perigos especiais do ocultismo. O seu perigo principal – que aliás, não é monopólio- se define em três termos: complexo de superioridade, inflação, megalomania.Com efeito, é raro o ocultista experimentado isento desse mal moral ou que não o tenha sofrido no passado. A tendência megalomaníaca manifesta-se um pouco por toda parte entre os ocultistas. É o que a leitura da literatura ocultista e dezenas de anos de relações pessoais me ensinaram. Esse defeito moral tem muitos graus. Ele se manifesta, em primeiro lugar, por certo desembaraço e certa sem-cerimônia no modo de falar das coisas superiores e sagradas. Em seguida ele se afirma como ‘saber mais’ e ‘saber tudo’, isto é, como um modo de tomar a atitude de mestre de todo mundo. Por fim, ele se manifesta como infabilidade implícita ou mesmo explícita.
Não desejo citar passagens da literatura oculta, com nomes, nem mencionar fatos biográficos de ocultistas conhecidos, a fim de provar ou ilustrar esse diagnóstico. Não te será fácil, caro Amigo Desconhecido, encontrá-los por ti mesmo em abundância. A minha intenção aqui é rejeitar as falsas acusações levantadas contra o ocultismo e mostrar o verdadeiro perigo que ele comporta.A antiga sentença ORA ET LABORA contem a única resposta. A ADORAÇÃO e o TRABALHO constituem o único remédio que conheço, tanto profilático quanto curativo contras as ilusões megalomaníacas. Devemos adorar o que está acima de nós e participar do esforço humano no domínio dos fatos objetivos, para podermos escapar das ilusões a respeito do que SOMOS e do que PODEMOS.
Porque quem sabe elevar sua prece e sua meditação ao nível da adoração pura estará sempre consciente da DISTÂNCIA que separa (e une ao mesmo tempo) o adorador do adorado. Assim ele não será tentado a adorar a si mesmo, o que, em última análise, é a raiz da megalomania. Ele terá sempre em vista a diferença entre si e o adorado. E não confundirá O QUE ELE É com o que é o SER ADORADO. Por outro lado, aquele que TRABALHA, isto é, toma parte no esforço humano para a obtenção de resultados objetivos e verificáveis, não se iludirá facilmente a respeito do QUE PODE. Por exemplo, um médico inclinado a superestimar seu poder de curar aprenderá logo, com experiência dos malogros, a conhecer seus reais limites.Jacob Boehme era sapateiro e iluminado. Se ele teve a experiência da iluminação...não concluiu que, enquanto sapateiro, pudesse mais, daí por diante, do que seus colegas de profissão ou mais do que ele mesmo podia antes da iluminação. Por outro lado, a sua iluminação lhe ensinou a grande de Deus e do mundo...e o encheu de ADORAÇÃO...
Foram, pois, o TRABALHO PROFISSIONAL E A ADORAÇÃO DE DEUS que protegeram a saúde moral de Jacob Boehme. A minha experiência no domínio do esoterismo me ensinou que o que foi salutar no caso de Boehme o é também para todos aqueles que aspiram às experiências supersensoriais.A adoração e o trabalho-ORA ET LABORA- constituem, pois, a condição SINE QUA NON do esoterismo prático para manter sob controle a tendência para a megalomania. Todavia, para se obter a IMUNIDADE contra essa enfermidade é preciso mais ainda. É preciso ter a experiência do ‘encontro concreto’ com algum ser superior. Por ‘encontro concreto’ entendo não o sentimento do ‘si mesmo superior’, nem o sentimento mais ou menos vago da ‘presença de um ser superior’, nem mesmo a experiência da ‘onda de inspiração’ que nos enche de vida e luz – não, o que entendo por ‘encontro concreto’ é um encontro verdadeiro e verdadeiramente concreto, isto é, face a face.
Ele pode ser espiritual – o face a face na visão- ou fisicamente concreto. Assim santa Teresa de Ávila (para citarmos só um exemplo) encontrava o Mestre, conversava com ele, pedia e recebia dele conselhos e instruções no plano espiritual objetivo (sim, a espiritualidade não é exclusivamente subjetiva, ela pode ser também objetiva). Assim ainda Papus e o grupo de seus amigos ocultistas encontrou Monsieur Philippe de Lião no plano físico. São dois exemplos do que entendo por encontro concreto.Ora, aquele que teve a experiência do encontro concreto com um ser superior (um justo, um santo, um anjo ou outro ser hierárquico, a Santíssima Virgem, o Mestre...) torna-se imunizado contra a tendência para a megalomania. A experiência desse face a face com o que é Grande comporta necessariamente a cura completa e a imunidade contra toda tendência megalomaníaca. Jamais um ser humano QUE VIU E OUVIU poderá fazer de si mesmo um ídolo. Mais ainda: o verdadeiro e último critério da realidade das experiências ditas ‘visionárias’, isto é, o critério de sua autenticidade ou de sua falsidade, é o EFEITO moral dessas experiências no vidente, a saber, se ele se torna mais humilde ou mais pretensioso. A experiência dos encontros com o Mestre tornou santa Teresa cada vez mais humilde. A experiência terrestre do encontro com Monsieur Philippe tornou Papus e seus amigos ocultistas mais humildes. Essas duas experiências – por mais diferentes que fossem quanto ao sujeito e ao seu objeto- eram autênticas. Papus não se enganou sobre a grande espiritual daquele que ele reconheceu como seu “mestre espiritual”. Santa Teresa não se enganou sobre a realidade do Mestre que ela viu e ouviu.Lê a Bíblia, caro Amigo Desconhecido, e encontrarás muitos outros exemplos da seguinte lei: A EXPERIÊNCIA AUTÊNTICA DO DIVINO TORNA HUMILDES; AQUELE QUE NÃO É HUMILDE NÃO TEVE EXPERIÊNCIA AUTÊNTICA DO DIVINO. Considera os apóstolos, que “viram e ouviram” o Mestre, e os profetas, que “viram e ouviram” o Santo de Israel –
não encontrarás neles nenhum sinal das tendências da ‘hybris’ ...Mas, se é necessário “ver e ouvir” para se aprender a fundo a lição de humildade, que dizer das pessoas que são “naturalmente” humildes, mas não “viram nem ouviram”?Sem prejuízo de outras respostas, também válidas, a minha é que todos os que são humildes VIRAM E OUVIRAM outrora e em algum lugar – pouco importando se se lembram disso ou não. A humildade pode ser a reminiscência real (não intelectual) que a alma tem da experiência noturna sucedida durante o sono e permanecendo no domínio do inconsciente, ou, enfim, o efeito da experiência presente, consciente ou inconsciente, não confessada a si mesmo nem aos outros. Porque a humildade – como a caridade- não é qualidade natural da natureza humana. Sua origem não pode ser encontrada no domínio da evolução NATURAL; não é possível concebê-la como fruto da luta pela existência, como fruto da seleção natural e da sobrevivência do mais forte com sacrifício do mais fraco. Porque a escola da luta pela existência não produz humildes, mas lutadores e guerreiros de toda espécie. Ela é, portanto, uma qualidade que deve provir da ação da GRAÇA; ela deve provir do alto. Ora, os “encontros concretos face a face” dos quais falamos aqui são sempre e sem exceção acontecimentos devidos à Graça, uma vez que são ENCONTROS nos quais o ser superior se aproxima, por vontade própria, do ser inferior. O encontro que transformou o fariseu Saulo no apóstolo Paulo não foi devido aos seus esforços, e sim ato daquele que ele encontrou. O mesmo vale para todos os encontros “face a face” com seres superiores. O que compete a nós é “procurar”, “bater” e “pedir”; o ato decisivo vem do alto.
Meditações sobre os 22 arcanos maiores do Tarô, publicado anonimamente no original e na tradução acima (mas hoje em dia é amplamente divulgada a autoria deste livro como de Valentim Tomberg, não havendo mais necessidade de manter o anonimato). Paulus: São Paulo, 2005, pp. 164-175
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ResponderExcluirGosto dessa linguagem, anônimo.
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