1 de maio de 2013

Armadilhas da Linguagem



Diversas armadilhas ameaçam a compreensão originária da essencialização da linguagem. A primeira e mais ardilosa, engodo que cerceia e encerra toda a compreensão lógica, gramatical, linguística ou filológica da linguagem, é tratá-la como algo, um ente simplesmente dado ao nosso manuseio, passível de ser objetivamente compreendida e determinada.
Esta armadilha, por sua vez, sustenta o seu embuste na própria possibilidade gramatical de substantivar os verbos, o que foi denominada pelos gramáticos latinos de “modus infinitus”. No infinitivo, o verbo se transfere para a forma nominal do substantivo e, perdendo deste modo a sua referência com a ação, passa a ser compreendido como um ente; a ação se transforma em coisa, dando assim a ilusão de ser algo determinado. É o que ocorre, por exemplo, com o verbo jantar, na frase: “ o jantar está servido” – ele é de tal modo substantivado que torna-se difícil, é só a custo de um grande esforço, pensá-lo como ação, um verbo, e não como ente, um substantivo.
No caso de “linguagem”, assunto que agora investigamos, para nós de língua latina, essa armadilha é mais insidiosa, pois perdemos completamente a referência verbal deste substantivo, a medida que o nosso verbo falar já provém de uma outra raiz – o que não é o caso, p. ex., da língua grega antiga, onde logos corresponde a légein, ou da alemã, onde Sprache corresponde a sprechen. Distantes da referência com o falar, a linguagem possui para nós uma proximidade com a língua – “é uma coisa da boca”.
Neste sentido, conforme o propósito de Heidegger, o primeiro desafio para lograrmos uma compreensão do sentido grego (heraclítico) de logos como linguagem é, atentos a estas armadilhas, não entendermos a linguagem como substantivo – como algo, um ente simplesmente dado ao nosso manuseio, passível de ser objetivamente determinado -, mas pensarmos a linguagem na dinâmica que se perfaz como com-preensão no falar e no ouvir (no escrever e no ler). O nosso primeiro desafio consiste portanto em abdicarmos da intenção de entendermos o que é linguagem por meio de determinações lógicas, para, despojados do afã da certeza que só compreendem o que podem dominar, experimentarmos, na concordância de nosso pensamento, a compreensão heraclítica de linguagem. Precisamos ainda alertar para o perigo e outras armadilhas que, camufladas no pressuposto metafísico de que o discurso seja a expressão sonora que representa o real para a comunicação humana, também ameaçam a nossa compreensão originária de linguagem – e de homem.

O Assunto e o Caminho do Pensamento de Heidegger (Fernando Mendes Pessoa)