6 de dezembro de 2015

Somos Anormais?

por RAYMUND ANDREA, FRC*



Os "amigos" do Mestre disseram: "Ele está fora de si";
São Paulo foi declarado "louco" pelo tribunal superior.



Folheando recentemente um relatório, feito por um eminente cientista médico e psiquiatra, sobre as causas das personalidades anormais, homens e mulheres que se distinguiram nas artes e nas ciências, cujos trabalhos e feitos deixaram uma impressão indelével na história mundial, uma interessante especulação se apresentou: seria a anormalidade uma necessária concomitância da evolução da consciência?

Posto que estamos nos dedicando, de modo especial e para todos os efeitos práticos, à ciência da evolução da consciência, será interessante perseguir essa especulação. A questão de se existe ou não certas anormalidades que acompanham essa evolução tem sido objeto de controvérsia entre muitos e ridicularizada por não poucos, de modo que nossas reflexões podem, incidentalmente, produzir algumas francas expressões de opinião e de experiência pessoal que levarão a dados valiosos.

Foram-se os dias, esperamos, em que se faziam perseguições a indivíduos que professassem coisas consideradas como visões peculiares, que proclamavam incautamente a posse de visão incomum ou exerciam poderes sobrenaturais  diante de um público cético e intolerante. Esses dias, porém, não acabaram de todo. Observe o que diz um eminente escritor:

    "Estamos presentemente tão aguilhoados por tradições ligadas à religião, à lei, à ciência e ao trabalho, que um código artificial de restrição e de proibição tornou-se imposto às nossas personalidades, a tal ponto que, para continuarmos livres, forçosamente temos que não apenas nos abster de nos expressar, mas adotar, ponderadamente, uma atitude artificial de hipocrisia, que em vez de conduzir para a luz é manifestamente falsa e subversiva"

Essa é uma grave acusação contra as autoridades dirigentes e sua severidade é bem merecida. Não faz muito tempo que recebi uma carta em que o escritor, referindo à sua experiência de Consciência Cósmica e sua relutância em falar disto, diz que conheceu um homem que tinha vivenciado o Samadhi e escapou por pouco de ser confinado num sanatório, porque contou essa experiência para seus amigos. Um lamentável estado de coisa, e o alerta é digno de nota. 
O mundo em geral é um pouco mais tolerante nessas questões hoje do que há cinquenta anos. Não é preciso nenhuma classificação; isso é amplamente corroborado por esse mesmo escritor, um dos maiores médicos e psicólogos em sua área.

            " Nesse estágio de nossa evolução, a tendência da humanidade deve ser a de que a tradição ceda lugar ao conhecimento e que o conhecimento ceda lugar à moderação e a uma tolerância mais completa. Viver e deixar viver, conhecer e deixar conhecer, ter e deixar ter, fazer e deixar fazer, todas estas coisas são excelentes guias, embora o verdadeiro mapa para a evolução da humanidade é ser e deixar ser."

Samadhi, etapa da Yoga onde se atinge a suspensão e compreensão da existência, bem como a comunhão com o universo.


A atitude da imprensa mudou um pouco, é bem verdade, ao longo dos últimos dez anos, e agora condescende em relatar sem criticismo o que são considerados casos autênticos de acontecimentos psíquicos e experiências de caráter psíquico. Alguns jornais agora oferecem prêmios aos seus leitores pela narrativa mais impressionante de experiências pessoais dessa natureza, enquanto outros solicitam depoimentos pessoais para a verdade da reencarnação. Até mesmo um cientista, aqui e ali, está se tornando invulgarmente arrojado e caridoso também. 

Um artigo de um professor inglês foi publicado recentemente num jornal popular, no qual ele escreveu:

" Os antigos alquimistas tentavam fazer chumbo virar ouro e, por gerações, foram um bando de cientistas escarnecidos. Agora, entretanto, estamos começando a pensar que, embora seus métodos pudessem ser crus, a ideia deles era razoável."

Se esse professor foi ou não relegado automaticamente por seus pares à categoria dos anormais, isto é uma questão para conjetura.


Deixe-me citar mais um trecho, antes de seguir adiante.


"A principal diferença entre o indivíduo são e muitos dos insanos é que nestes últimos há perda de controle sobre os vínculos de convenções hipócritas e artificiais, perda esta que os coloca em desarmonia com os seus camaradas espertamente mais reservados. Assim, temos o curioso fato de que, quando um indivíduo acredita na palavra do pastor e afirma, com toda franqueza, que acredita que sua alma está perdida ou que ele está em perigo de danação eterna, ele é certificado como insano e relegado a um sanatório. Se ele se alça à região da filosofia, da ciência, da estética ou da conjetura, é visto como um excêntrico; e se é extravagante, inconvencional ou anormal em seu comportamento, ele é ridicularizado pela comunidade, sem consideração ao fato de que talvez ele seja temente a Deus, obediente à lei, trabalhador e um ser humano responsável."


"Essas são apenas algumas das algemas da chamada civilização e, desnecessário dizer, essa tendência, em si, é não somente subversiva, como também explanatória do fato de que muitos gênios do mundo tiveram de ir para sanatórios em busca de proteção contra a intolerância demonstrada por seus semelhantes. Que tais portos de refúgio existam para aqueles que recebem inspirações negadas à maioria é, sem dúvida, algo benéfico, enquanto o público continuar a ridicularizá-los. Seria mais sensato, no entanto, ficar mais atento a tipos como Tom o'Bedlam que deturpam as inspirações e logram o público com suas imitações espúrias. Se a religião, a arte, a ciência e a indústria se tornassem mais tolerantes para com as inspirações e aspirações dos outros, o resultado seria uma considerável redução no número dos que têm de buscar proteção contra as interferências, as restrições e as proibições delas."


Se isso são fatos - e quem pode questioná-los? -, eles mostram indubitavelmente uma forte justificativa para o trabalho ativo em muitos setores de pesquisa em que nós, como Rosacruzes, pusemos nossas mãos. Eles nos justificam na continuação destemida de nossos estudos e na ação direta no serviço ao mundo com imperturbável vigor, com total indiferença e oposição à atitude e às opiniões de dignitários de toda e qualquer base de autoridade.

O que me induziu, particularmente, a tratar desse assunto em relação a nós foi o comentário de um membro encarregado de um grupo. Disseram-lhe que nossos estudos têm uma provável tendência a marcar nossa gente como esquisita ou excêntrica, ou seja, anormal. A réplica foi que nada do tipo deveria transpirar, mas, pelo contrário, dando atenção também à evolução da personalidade interior, ao invés de exclusivamente, como até aqui, ao eu individual, a pessoa deve se tornar, em todos os sentidos, mais normal e ser capaz de funcionar de maneira sã e efetiva tanto no plano objetivo quanto no plano psíquico Divino.

Certamente, sua normalidade consiste em - e só é totalmente assegurada por - esse desenvolvimento paralelo e equivalente. O questionamento que surge nessa questão apenas prova claramente quão comparativamente poucos entre nós se preocupam com esse desenvolvimento dual; e nossa crescente normalidade pela dedicação ao cultivo da alma é vista pela maioria como um desejo de equilíbrio, uma arriscada condição que merece o aspecto derrisório e o ímpeto difamador.

O membro a que me referi é, ele próprio, um dos muitos exemplos de crescente normalidade pelo cultivo da alma. Em muitas ocasiões, ele me disse que nunca poderia ter feito esse ou aquele trabalho bem-feito e preciso, caso apenas o eu individual fosse requisitado; que foram o novo conhecimento e a nova força derivados desse cultivo, como resultado de uma familiaridade mais profunda com a personalidade interior, que garantiram a coesão e equilíbrio de forças um tanto ou  quanto opositoras e o capacitaram a servir aos seus semelhantes de um modo impossível antes dele abraçar esse cultivo.

Não precisamos de nenhuma outra garantia de normalidade crescente do que o fato de podermos ser mais compreensiva e eficientemente úteis no serviço ao mundo através do estudo e da prática dos princípios rosacruzes, em vez de  escolhermos permanecer convencionalmente normais e ignorantes da profundidade e da essencialidade de nossa natureza Divina.

É demonstrável que quanto mais íntimos nos tornamos da ação e da inspiração dessa personalidade interior, mais notável é a facilidade que se pode observar nos membros do organismo objetivo, ao longo de todas as linhas de adequação e uso no plano material. Se de algum modo isso não acontece, a causa deve ser procurada ou no fato da pessoa não ter ido longe o bastante em seus estudos e em sua compreensão da ciência que ela adotou, ou no fato de, por assim dizer, ter tentado ir além daquilo que podia; ela se empenhou além daquilo que seu ponto específico de evolução justifica e há tensão ou pressão que resulta num desajuste temporário, com uma consequente emergência ligeiramente errática. Nos dois casos, as causas são apenas temporárias.

No primeiro caso, um progresso maior na ciência desenvolverá uma segura e valiosa lucidez; no segundo, um refreamento da impaciência, por meio de desenvolvimento específico e maior confiança na natureza do método de avanço gradual e metódico, regulará devidamente os processos de expressão e erradicará quaisquer tendências possíveis de críticas.

Obviamente, falo mais para o neófito do que para o estudante adiantado na Senda. Este último há muito tempo resolveu essa questão para si mesmo e não é perturbado pelos pontos de vista ou pelas insinuações do ignorante. Ele sabe que quem quer que vá contra a corrente da opinião geral terá sua sanidade questionada em algum momento. Ele sabe, por experiência própria, que existe na alma despertante algo de natureza tão poderosa que até mesmo seus críticos acham difícil acreditar em suas próprias mentiras. Do mesmo modo, eles podem criticar a glória inesperada que flui do céu noturno e acusar a natureza de extravagância anormal.

A divindade da alma, através das influências benignas e libertadoras da natureza espiritual, tem a qualidade do inesperado daquela singular e gloriosa expressividade que pertence à natureza; quando vêm aqueles momentos em que uma nova palavra é comunicada e uma ação realizada, é hora de os homens de reputação científica e tecnológica verdadeiramente anormal fazerem recuar os mais convencionalistas.

A alma não dará a eles mais atenção do que a natureza dá às folhas mortas do outono. Eles quebram a cabeça e consultam os livros didáticos para nada. A palavra foi dita e a obra foi feita. A inspiração se espalhou pela terra e passou como luz nas almas viventes que estavam à sua espera e precisavam de um novo ímpeto em sua fé. O homem avançado sabe disso e é indiferente aos gritos da maioria dita "sã".

A questão, porém, não é tão fácil para o neófito. Não é fácil para ele sentir-se um tanto fora de si quando, em seu círculo imediato, em casa ou fora dela, ele é objeto de patético escrutínio e alvo da língua alheia. Conheci casos em que nossos estudantes foram compelidos a ir furtivamente para sua comunhão com Deus, como se estivessem evitando ser descobertos pelo cometimento de um crime. É alguma surpresa que eles corram o risco de serem considerados anormais?

Conheci esposas submetidas à amarga invectiva e perseguição de seus maridos, por terem descoberto no cultivo da alma a única coisa que tornava a vida tolerável para elas. Julgue, entre os dois, onde a normalidade está. Essa é uma das maiores indignidades que podem ser infligidas à natureza humana indefesa.

A origem do criticismo que muitos neófitos experimentam nesse caminho, proveniente dos que os cercam, pode ser encontrada neste profundo axioma que foi muitas vezes enunciado na literatura oculta: se uma atenção concentrada é direcionada para a alma  e se persiste num curso de ação mais elevado, algo com a natureza de uma revolução psíquica na personalidade do homem transpira e reage, mais ou menos poderosamente, segundo sua força e habilidade inatas, sobre a inteira concatenação de suas circunstâncias e de seus relacionamentos. Se ele é ardoroso e decidido, a vida da sua alma atua com dramática pressão sobre suas idéias e ações enraizadas, e um rápido reajuste torna-se imperativo.

Isso é tão natural e insistente que ele mal percebe quão marcante a mudança nele parece para os outros. Mas a encruzilhada foi atingida e uma escolha tem de ser feita. O problema agora não está simplesmente na aceitação mental de um novo ponto de partida na vida que lhe concerne pessoalmente, como alguém que pode nutrir uma opinião contrária de seus amigos sobre uma questão de arte ou política e nada dizer sobre isto: não, a alma sob cultivo espiritual afeta toda a personalidade do homem vivo e atuante em sua relação com os outros, e se eles não tiverem uma mente aberta o bastante para dar uma correta interpretação aos valores alterados dele, darão, obviamente, uma errada.

E nos contatos gerais da vida diária, a interpretação errada será a mais comum. Pois, por mais eficiente que o neófito encubra de silêncio o seu colóquio com o divino, os efeitos desse colóquio se imprimirão nele para serem lidos por todos. O medo que o assalta é de que, se persistir em seu caminho, tenha de perder amizades e simpatias que até então significam muito para ele.

Falo compreensivamente dessas coisas porque eu próprio as vivi; e sei que não há uma só abertura que seja para concessões em relação a elas. Lembro-me quando, no limiar da vida adulta, abracei a vida oculta com total aceitação e vivi todas as consequências adversas em meu ambiente ao fazer isto. Todos os fluxos da vida dirigiram-se para o alto, como que por inspiração predestinada, e as reações externas foram tão críticas e inquietantes quanto foi definitiva e inalterável a reconstrução interna.

E ao jovem aspirante que está enfrentando contingências similares, digo isto: acho difícil de imaginar como que alguém que experimentou o chamado decisivo do espírito dentro de si possa retardar ou retroceder ao nível morto do eu puramente mental, devido a qualquer criticismo ou desconforto temporário que ele possa encontrar na perspectiva de segui-lo. Isso significaria perder deliberadamente o mais rico ganho que uma encarnação pode propiciar, qualquer que seja o valor que ele atribua às coisas que teme perder.

O chamado da alma despertante nunca vem por acaso; vem quando o indivíduo está realmente pronto e apto a dar um passo à frente na evolução, um passo normal e necessário, decretado pelo Carma. Ele pode duvidar um pouco de sua prontidão e habilidade, de tempos em tempos, quando as coisas externas são hostis e ameaçadoras; mas o chamado é um aviso inequívoco de que um ponto crítico foi alcançado na vida individual; e sem parecer estar pressionando demais, peço ao aspirante que podere sobre a gravidade da perda para si mesmo, a longo prazo, se, por quaisquer considerações pessoais quanto as opiniões dos outros, ele se recusar a aprovar com toda liberdade possível nas circunstâncias resultantes, a indução intuicionante que o instiga a trilhar a Senda.

Será útil lembrar-se que os evolucionistas espirituais são uma minoria comparativamente pequena e, provavelmente, assim continuarão por algum tempo ainda. Ele não tem apenas que contender com as diferenças pessoais resultantes da educação de seus poderes para propósitos superiores; existem forças opostas ao seu redor e, portanto, ele não deverá ficar surpreso nem facilmente intimidado pelas correntes antagônicas que muitas vezes - e ele mal sabe dizer como - parecem combatê-lo.

Esse fato sempre foi salientado por membros nos estágios iniciais da Senda, mas um encorajamento adequado e o transcurso do tempo conduzem-no a uma certeza mais profunda e uma força maior para fazer face à oposição circundante. Alguns desses membros concordarão comigo quando digo que um dos testes mais duros que eles têm de enfrentar é a consciência da solidão em seus estudos, em suas respectivas circunstâncias. Eles estão conscientes de estarem ficando, em muitos aspectos, cada dia mais radicalmente diferentes daqueles com os quais convivem, e não há ninguém a sua volta com quem possam se expressar.

É assim mesmo; e em algumas circunstâncias, isso é inevitável, mas apenas por algum tempo. À medida que o conhecimento aumenta e o aspirante responde a ele, oportunidades de servir se apresentam e aquilo que não pode ser comunicado em palavras será poderosamente expresso em ação. É a ação correta, não importa quão incomum possa ser em caráter, que irá desmanchar todas as pequenas aparências de anormalidade e peculiaridade, que o não iluminado tanto gosta de assinalar.

Por último devemos mencionar que não precisamos de investigadores médicos ou científicos avançados para nos assegurar que, afinal de contas, não somos anormais por nos esforçarmos em seguir o Mestre, de maneira compreensiva e científica, e fazer as tarefas que Ele fez. Há muito tempo, damos a eles um exemplo que, embora relutantemente, estão começando a imitar. Também não há nenhuma egomania implícita nessa asserção. Como diz o autor:

"Notamos que a humanidade está subindo gradualmente a escada de uma evolução emergente rumo à autorrealização, uma realização do eu, porém como parte integrante de um todo maior. A egomania implica crença no eu como 'o grande único', ao passo que a autorrealização significa evolução."

 Obviamente, a egomania tem estado no outro lado, não no nosso. E somos profundamente gratos pela concessão liberal que ele nos faz, ao dizer que "uma filosofia do infinito está, porém, longe de ser uma fonte de aberração do pensamento, terminando em verdadeira insanidade". Nada mais há a se acrescentar sobre a questão da anormalidade. Não concluí, entretanto, a questão da crítica em relação ao neófito e pretendo lidar especificamente com isto num artigo posterior. 

* Extraído da edição de junho de 1930 da revista Rosicrucian Digest.