30 de janeiro de 2011

Cientista afirma ter Teletransportado moléculas de DNA




Com informações da New Scientist – 17/01/2011

Seu nome é Luc Montagnier e sua biografia pode ser resumida a um feito único: ele ganhou o Prêmio Nobel de Medicina em 2008, por ajudar a demonstrar a conexão entre o HIV e a AIDS.
Montagnier agora está sacudindo as bases do mundo acadêmico com uma alegação absolutamente inesperada: ele afirma ter “teletransportado” as informações de moléculas de DNA.
Se os resultados estiverem corretos,” comentou Jeff Reimers, químico da Universidade de Sidnei, na Austrália, “isso será um dos experimentos mais significativos feitos nos últimos 90 anos, e exigirá uma reavaliação de todo o quadro conceitual da química moderna.”
Nesta altura dos acontecimentos, a expressão “se os resultados estiverem corretos” está tendo mais ênfase entre os outros cientistas do que o alegado teletransporte de DNA, que poderá ter um impacto, na verdade, muito além da química.

O problema é que o artigo ainda não foi aceito para publicação por uma revista revisada pelos pares de Montagnier.
E, a julgar pela recente controvérsia de uma bactéria com jeitão alienígena, anunciada com estardalhaço pela NASA e depois largamente contestada por outros cientistas, o processo de avaliação desse artigo deverá levar mais tempo do que o normal.

Teletransporte quântico
Montagnier e seus colegas alegam ter feito um experimento que mostra que uma molécula de DNA pode transmitir as informações que contém, por meio de campos eletromagnéticos, para células distantes e até mesmo para a água.
Mais do que isso, o Prêmio Nobel afirma que enzimas podem tomar esse “carimbo” remoto de DNA por um DNA real, copiando-o para produzir a coisa real – o que faria do experimento uma espécie de teletransporte quântico da molécula de DNA.
O experimento consiste em dois tubos de ensaio, próximos mas separados fisicamente, colocados dentro de uma bobina de cobre, sujeitos a um campo eletromagnético fraco de frequência extremamente baixa, de apenas 7 hertz.
O conjunto é isolado do campo magnético natural da Terra, para evitar interferências.
O primeiro tubo contém um fragmento de DNA com cerca de 100 pares de base. O segundo tubo contém água pura. Depois de um período que variou de 16 a 18 horas, o conteúdo dos dois tubos de ensaio foram submetidos à reação em cadeia da polimerase (PCR), o método rotineiramente usado para amplificar quantidades traço de DNA, usando enzimas para fazer inúmeras cópias do material original.
Foi aí que o mais surpreendente aconteceu: o fragmento de DNA foi aparentemente recuperado dos dois tubos de ensaio, incluindo aquele que só deveria conter água.

A maldição da diluição
Para incomodar ainda mais os cientistas mais conservadores, aqueles que se incomodam com resultados controversos, e que geralmente se colocam prontamente contra qualquer nova descoberta que possa abalar o “edifício da ciência”, o DNA somente é teletransportado com sucesso depois que a solução original de DNA passa por diversos ciclos de diluição.
Diluição lembra homeopatia, e “cientistas céticos” – o termo é absolutamente sem sentido, mas há vários acadêmicos que se autodenominam assim -, cientistas “céticos” odeiam a homeopatia porque ela contraria suas crenças pessoais, argumentando que ela não possui bases científicas, e trabalham duro para desacreditá-la.
No experimento de teletransporte, em cada ciclo, a amostra original, do tubo número 1, foi diluída 10 vezes, e o DNA fantasma, do tubo número 2, só pode ser recuperado quando a amostra original é diluída entre sete e 12 vezes.
O teletransporte ainda não funcionou nas super diluições usadas na homeopatia.
Vários cientistas ouvidos pela revista britânica New Scientist mostraram-se céticos quanto aos resultados.
Mas é difícil imaginar que a equipe de um pesquisador agraciado com o Prêmio Nobel seja ingênua a ponto de divulgar uma pesquisa tão controversa sem tomar todos os cuidados metodológicos necessários.
O fragmento de DNA foi aparentemente recuperado dos dois tubos de ensaio, incluindo aquele que só deveria conter água.
Segundo o rascunho do artigo, os físicos da equipe sugerem que o DNA emite ondas eletromagnéticas de baixa frequência, que transmitem a estrutura da molécula para a água.
Essa estrutura, alegam eles, é preservada e amplificada por meio de efeitos de coerência quântica. Como a estrutura imita o formato do DNA original, as enzimas do processo PCR tomam-na pelo próprio DNA e, de alguma forma, usam-na como modelo para construir moléculas que coincidem com o DNA transmitido.
Mas se Montagnier e seus colegas não conseguiram de fato fazer o teletransporte do DNA, então o que eles descobriram?
Os experimentos biológicos parecem intrigantes, e eu não posso desacreditá-los,” disse Greg Scholes, da Universidade de Toronto, no Canadá, que demonstrou no ano passado que os efeitos quânticos ocorrem em plantas.
Klaus Gerwert, da Universidade Ruhr, na Alemanha, que estuda as interações entre a água e as moléculas biológicas, mostra preocupação quanto à persistência do fenômeno: “É difícil entender como a informação pode ser armazenada na água em uma escala de tempo maior do que picossegundos.”

Memória da água
Em 1988, o cientista francês Jacques Benveniste publicou um artigo na revista Nature, onde ele e seus colegas afirmavam demonstrar que a água tinha memória.
Em seu experimento, a atividade de anticorpos humanos era retida em soluções tão diluídas que não poderiam conter quaisquer moléculas de anticorpos – o que estatisticamente também ocorre na homeopatia.

Frente a um enorme ceticismo, a revista convocou um “caçador de mitos” para averiguar a questão (@MDD – O sujeito escolhido foi o James Randi, já conhecido por sua “imparcialidade”), que concluiu que os resultados eram “uma ilusão”, gerada por um experimento mal projetado.
Em 1991, Benveniste repetiu seu experimento sob condições duplo cego e obteve novamente os resultados que demonstraram inicialmente a alegada “memória da água”.
Contudo, nem a Nature e nem a Science aceitaram o novo artigo para publicação. Desacreditado, o pesquisador foi expulso de seu instituto sob a alegação de haver manchado a reputação da instituição. Benveniste morreu em 2004. (@MDD – Benveniste escreveu diversas cartas à Nature alegando que James Randi havia distorcido os protocolos e realizados experimentos diferentes dos seus – nada que surpreenda…)

Única saída 
O que se espera agora é que o experimento de Montagnier e seus colegas seja avaliado pelos seus pares com a isenção necessária – sem ser condenado previamente, sobretudo por conter a palavra maldita – “diluição”.
Para isso, um único caminho pode ser trilhado: laboratórios independentes devem repetir os experimentos e checar os resultados.

Fonte:
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=teletransporte-dna&id=010165110117

@MDD – Depois, quando eu escrever que “os ocultistas já sabiam disso desde Samuel Hahnemann” os pseudo céticos vão ficar com aquele mimimi… talvez até coloquem alguma coisa do 4chan como contra-argumento… fato é que é um começo da explicação pelos métodos ortodoxos dos passes espirituais, curas por imposição de mãos e homeopatia.
Acho engraçado que, de repente, o Prêmio Nobel vira um “idiota que não sabe o que faz” quando suas descobertas ameaçam as crenças dos outros cientistas. Tanto medo do mundo espiritual assim?

Do blog : Teoria da Conspiração - de Deldebbio

28 de janeiro de 2011

Alguma coisa está fora da ordem.

Do livro " Mentes Perigosas - O psicopata mora ao lado" de Ana Beatriz Barbosa Silva


Uma breve revisão na história da humanidade é capaz de revelar duas questões importantes no que tange à origem da psicopatia. A primeira delas se refere ao fato de a psicopatia sempre ter existido entre nós. Um exemplo dessa situação é destacado pelo psiquiatra americano Hervey Cleckley ao citar que o general grego Alcebíades, no século V a.C, já preenchia todos os requisitos para ser considerado um psicopata "de carteirinha".

A segunda questão aponta para a presença da psicopatia em todos os tipos de sociedades, desde as mais primitivas até as mais modernas. Esses fatos reforçam a participação de um importante substrato biológico na origem desse transtorno. No entanto, eles não invalidam, de forma alguma, a participação significativa que os fatores culturais podem ter na modulação desse quadro, ora favorecendo, ora inibindo o seu desenvolvimento.
Isso fica claro quando observamos a prevalência de psicopatas em culturas diversas. Nas sociedades ocidentais, a conduta psicopática tem-se incrementado de maneira assustadora nas últimas cinco décadas. Cotidianamente nos deparamos com jornais e revistas que estampam homicidas cruéis, assassinos em série, políticos corruptos, terroristas, pedófilos, pessoas que maltratam crianças, torturadores de mulheres, líderes religiosos inescrupulosos, estelionatários e profissionais desleais.

Tenho a convicção de que todos esses problemas têm se agravado, de modo extraordinário, devido à ação dos psicopatas e de pessoas que vêm adotando formas "psicopáticas" de convívio. Se isso ocorre é porque nossa sociedade está fundamentada em valores e práticas que, no mínimo, favorecem a maneira psicopática de ser e viver. De certa forma, estamos contribuindo para promover uma cultura na qual a psicopatia encontra um campo bastante favorável para florescer.

A cultura dos tempos modernos

A ideologia sobre a qual se alicerça a cultura dos nossos tempos é baseada em três princípios básicos: 

1) o individualismo; 2) o relativismo; 3) o instrumentalismo.

De forma compreensível e sem, contudo, aprofundar-me na esfera da filosofia, os três princípios podem ser avaliados da seguinte maneira:

1) O individualismo prega a busca do melhor tipo de vida a se usufruir. Entende-se como o melhor tipo de vida aquele que abrange o autodesenvolvimento, a autorealização e a auto-satisfação. De acordo com essa concepção, o indivíduo tem a "obrigação moral" de buscar sua felicidade em detrimento de qualquer outra obrigação com os demais.
2) Segundo o relativismo todas as escolhas são igualmente importantes, pois não há um padrão de valor objetivo que nos permita estabelecer uma hierarquia de condutas. Assim, qualquer ação que leva o indivíduo a atingir a auto-satisfação é válida e não pode ser questionada.
3) O instrumentalismo afirma que o valor de qualquer coisa fora de nós é apenas um valor instrumental, ou seja, o valor das pessoas e das coisas se resume no que elas podem fazer por nós. 

Na verdade, tudo está implícito no primeiro e principal componente da cultura moderna: o individualismo. Assim, o nosso principal objetivo é a realização e a satisfação pessoais. As obrigações que temos com as demais pessoas são meramente secundárias, prevalecendo a obrigação de desfrutarmos a vida da maneira que escolhermos. Dessa forma, as outras pessoas se transformam em simples meios para chegarmos a um fim. 

O objetivo maior da ideologia moderna era preservar a liberdade individual. No entanto,
essa ênfase sobre a liberdade criou a grande contradição de nossos tempos: como estabelecer valores morais e éticos num mundo que prioriza as escolhas individuais?

A modernidade foi responsável por uma série de mudanças na nossa forma de ver e sentir o mundo. A revolução tecnológica inundou de conforto nossas vidas. Dispomos de uma imensa variedade de coisas que facilitam nosso dia-a-dia, porém não encontramos tempo disponível para cultivarmos o nosso lado afetivo. O convívio reconfortante com a família, os amigos e o amor romântico parecem ser coisas do passado, algo lembrado com nostalgia, mas avaliado como utopia nos dias atuais. O desenvolvimento econômico nos tempos modernos fundamenta-se na crença cega de que não podemos "parar" nunca: há sempre o que aprender, conquistar, possuir, descobrir, experimentar... Nada nem ninguém é capaz de nos satisfazer plenamente, pois sempre há novas possibilidades para serem testadas na conquista da tal realização pessoal.

A realização proposta por nossa sociedade só pode ser de aspecto material, pois afetos verdadeiros não podem ser adquiridos nem substituídos na velocidade que nossos tempos preconizam. A cultura do individualismo e o desejo de conseguir bem-estar material a qualquer custo têm provocado erosão dos laços afetivos dentro da nossa sociedade. Com isso, virtudes como a honestidade, a reciprocidade e a responsabilidade com os demais caem em total descrédito. E assim, repletos de conforto e tecnologia, acabamos por nos tornar cada vez mais sozinhos e menos comprometidos com os nossos semelhantes.

Sem sombra de dúvida, o cenário social dos nossos tempos favorece o estilo de vida do psicopata. Ele reflete de forma precisa esse "novo homem", voltado somente para si mesmo, preocupado apenas com o que é seu e desvinculado da realidade vital dos que estão ao seu redor.

A expansão da cultura moderna, repleta de traços psicopáticos, modificou de forma drástica as nossas relações familiares e sociais. Estamos perdendo o senso de responsabilidade compartilhada no campo social e o de vinculação significativa nas relações interpessoais. O aumento implacável da violência e senão uma resposta lógica e previsível a toda essa situação.

A cultura psicopática está no ar

No campo da ficção, os psicopatas também têm conquistado valorosos espaços. Até bem pouco tempo atrás, nas novelas, nos romances e nos filmes, torcíamos e nos identificávamos com os personagens do bem que, em geral, eram vitimados pelas diversas circunstâncias dos enredos, mas que se mantinham éticos e triunfavam ao final. Hoje, ficamos fascinados e atraídos pelos vilões e é para eles que dirigimos nossa torcida. E quando esses "bandidos" são ricos e poderosos acabam por se transformar em sedutores de primeira grandeza. Assim, de forma quase natural, estamos abandonando os mocinhos e seus ideais morais de justiça e solidariedade. Os heróis dos novos tempos são maldosos, inescrupulosos e isentos de qualquer sentimento de culpa. Já os personagens bonzinhos despertam em nós um sentimento de pena e até certa intolerância com seus discursos utópicos e ingênuos. Os heróis do passado estão se tornando os otários dos tempos modernos.

O desrespeito, a frieza, a luxúria e a perversidade dos psicopatas estão ganhando espaço nas telinhas e nas telonas, arrebatando espectadores, críticos especializados e atores que buscam fama e reconhecimento profissional ao interpretarem personagens de "psiquismo tão complexo". Se não tomarmos muito cuidado, acabaremos adotando a conduta psicopática como um estilo de vida eficiente para se alcançar a auto-satisfação ou então como um comportamento adaptativo de sobrevivência.

É hora de pararmos e realizarmos uma profunda reflexão coletiva e individual. Precisamos definir em que proporções estamos contribuindo para a promoção de uma cultura psicopática. Temos que unir forças para efetuarmos um combate efetivo das ações psicopáticas em todas as suas manifestações. Para começar, precisamos rever a nossa tolerância em relação as pequenas transgressões do dia-a-dia, como jogar papel no  chão, buzinar em frente ao hospital, urinar em postes, cuspir nas calçadas, estacionar em locais proibidos, não recolher os dejetos dos animais de estimação e por aí vai.

E o que dizer de nossa tolerância para com a corrupção? Chegamos ao ponto absurdo de concordar com frases do tipo: "fulano rouba, mas faz." Isso representa a mais pura acomodação política que experimentamos em nossas vidas sociais. Será que acreditamos realmente que exista corrupção benigna? Claro que sabemos que isso não existe, mas tentamos criar justificativas idiotas para abrandar nossas turvas consciências. Sabemos distinguir claramente o que é certo do que é errado, no entanto preferimos relativizar essa questão para nos beneficiarmos das vantagens materiais das "pequenas" transgressões sociais.

Precisamos reestruturar, de forma urgente, os processos pelos quais nossas crianças e nossos jovens aprendem os valores e os comportamentos sociais. Para que isso ocorra,todas as instituições, tanto públicas  quanto privadas, terão que dar a sua parcela de contribuição. Somente uma educação pautada em sólidos valores altruístas poderá fazer surgir uma nova ética social que seja capaz de conciliar direitos individuais com responsabilidades interpessoais e coletivas. A aprendizagem altruísta é o único caminho possível para combatermos a cultura psicopática pautada na insensibilidade interpessoal e na ausência da solidariedade coletiva.


É fundamental destacar que não se trata de cair na velha argumentação da perda da virtude em troca do conforto e do progresso. Não é nada disso! Bem-vindas sejam as conquistas dos novos tempos, como os avanços científicos e tecnológicos, as liberdades de escolhas e de expressões. No entanto, nada disso pode se transformar em justificativa para a aceitação ou a tolerância para com uma sociedade constituída de indivíduos desvinculados dos direitos e das necessidades vitais dos que estão ao redor.

A construção de uma sociedade mais solidária é, a meu ver, o grande desafio dos nossos tempos. E para tal empreitada teremos que harmonizar o desenvolvimento tecnológico com uma consciência que não faça qualquer tipo de concessão ao estilo psicopático de ser ou de viver. A luta contra a psicopatia é a luta pelo que há de mais humano em cada um de nós. É a luta por um mundo mais ético e menos violento, repleto "de gente fina, elegante e sincera".

23 de janeiro de 2011

A Maior Flor do Mundo | José Saramago

Elas estão vivas no coração da atmosfera, pra sempre, dentro de nós.

Vincent Van Gogh, Almond Blossom, 1890

As pessoas que amamos e que se foram por seus motivos, sempre se farão presentes numa música que ouvimos, num cheiro trazido pelo ar e que nos desperta lembranças profundas. Num fenômeno simultâneo de sincronia, numa figura singela, na linguagem de amor que a natureza nos reza baixinho, na asas do vento, na canção do tempo dentro do peito.

Para Ana Marques

- Nayre


5 de janeiro de 2011

Imortalidade

O SER não muda. Ele apenas se revela a si mesmo. A escuridão é mãe da luz. A única treva da vida é a ignorância.

- Nayre Fernandes



Lord Krishna

21 de dezembro de 2010

Camille Claudel – Sonhos e Pesadelos

"A Valsa" (1892)

                                                       


Por Rosa Montero

        Camille, a sequestrada; Camille, a prisioneira. Coxa e sedutora Camille, escultora de gênio, artista maldita e esquecida. Esta é a aterradora história de uma mulher que não “pôde ser”. Tinha tudo para triunfar: talento, inteligência, coragem, beleza. Mas as circunstâncias a foram desestruturando. “Todos esses maravilhosos dons que a natureza lhe havia outorgado só serviram para trazer-lhe a desgraça", disse seu irmão, o escritor Paul Claudel. Porque Camille era irmã do famoso autor francês, e foi amante do celebérrimo escultor Auguste Rodin. Enquanto os dois, o irmão e o amante, conquistavam um sucesso clamoroso, Camille foi afundando silenciosamente nas trevas.
Camille Claudel nasceu em Villeneuve (França), em 1864, e era filha mais velha de um coletor do registro de imóveis e de uma proprietária de terras provinciana que,  com o tempo viria a tornar-se seu maior algoz. Desde muito criança Camille foi diferente: por sua coxeadura, por sua extraordinária beleza e por seu caráter – radiante, orgulhoso, obstinado. Começou a esculpir e a modelar por sua própria conta, sem professores nem antecedentes na família, e aos 12 anos fez um grupo de argila tão expressivo que chamou a atenção dos artistas locais. Um deles, Boucher, apresentou-a ao diretor da escola de Belas Artes, que, ao ver sua obra, perguntou se ela tivera aulas com Rodin.


A Jovem Camille Claudel


->


Por essa época a adolescente Camille nem conhecia esse nome, de modo que as semelhanças eram casuais: possivelmente ambos partilhassem as mesmas força e veracidade, no meio de um mundo criativo rotineiramente acadêmico. Que fique registrado, portanto, que Camille era Camille antes de Rodin entrar na sua vida. Porque uma das maldições que acabaram com ela foi a insistência em considerá-la uma mera discípula de seu amante.
Outra maldição foi a sua família. O pai tinha um caráter acérrimo e violento, e a vida doméstica em Villeneuve era uma gritaria constante.  Camille, contudo, dera um jeito de ser a filha preferida do rígido patriarca. Provavelmente essa posição de privilégio (ela era a queridinha do ditador) provocou  na sua mãe e na sua irmã algo muito semelhante a rancor: porque tanto uma como outra pareciam odiar Camille. E as coisas pioraram quando aos 17 ela foi enviada pelo pai a Paris, para que pudesse estudar escultura, acompanhada pela mãe e pelos outros dois (a furibunda irmã e Paul). Pode-se imaginar a humilhação dessa senhora, que se viu forçada a afastar-se do marido, a abandonar a sua querida Villeneuve e a mudar-se para a capital, para que a detestável  filha mais velha se dedicasse à arte (uma indecência). Mãe e irmã foram mulheres muito convencionais; o pai, em contraposição, era livre-pensador e franco-maçom.
E esta foi a terceira maldição de Camille: as convenções, os preconceitos. O fato de ter nascido no tempo e no lugar errados. Um pouco antes teria podido amparar-se no Romantismo e viver mais livremente, como George Sand. Um pouco depois pegaria a revolução dos anos 1920. Mas ela nasceu no seio de uma velha e estreita burguesia provinciana, e na época mais conservadora, tacanha e imobilista. As poucas moças que saíam da norma eram consideradas pouco menos do que prostitutas.
Quando Camille chegou a Paris, em 1881, era proibido às mulheres estudar  na escola de Belas-Artes (não foram admitidas nos ateliês até 1900, e até  1903 não lhes era permitido participar no Prêmio de Roma, fundamental para desenvolver uma carreira criativa). Mas a voluntariosa Camille se matriculou numa academia e alugou um estúdio com três jovens escultoras inglesas. Trabalhava incessantemente, apaixonadamente, como fez durante toda a sua vida (exceto no hospital). E dentro de pouco tempo, em 1883, conheceu Rodin. Ele tinha 44 anos e um barbudo e imponente aspecto de russo tolstoiano; ela estava com 19, sabia-se  genial e dispunha-se a devorar o mundo inteiro. Provavelmente os dois logo se tornaram amantes; ela passava o dia no estúdio dele, embora continuasse vivendo com a mãe (que a expulsou de casa em 1888, quando soube das suas pecaminosas relações). Durante uma década, Camille trabalhou como aprendiz no ateliê de Rodin.
No terreno sentimental a história da dupla parece ser tediosamente trivial: quando conheceu Camille, Rodin estava havia vinte anos com Rose, a mulher com quem dividiu toda a sua vida, e sua deslumbrante aprendiz foi relegada para sempre para o estreito e semiclandestino lugar de amante. Os dois nunca viveram juntos, limitando-se a compartilhar de algumas férias; e chamavam-se, cerimoniosamente, Monsieur Rodin e Mademoiselle Claudel. Mas isso, e o fato de se tratarem por senhor/senhorita não impediu que, segundo dizem, Camille engravidasse várias vezes (fala-se até de quatro gestações). Não se sabe se chegou a dar à luz e entregou os filhos para adoção ou se preferiu abortar, mas a existência de gravidezes parece muitoprovável. Seja como for, uma experiência consideravelmente brutal.
Se não se conhece com certeza algo tão fundamental na vida de Camille é porque ela parece estar amaldiçoada. Sua produção escultórica é belíssima, forte e delicada ao mesmo tempo (com obras-primas como A valsa, Sakuntala, Clotho, As banhistas...), mas muitas das suas peças se perderam e as restantes estão espalhadas em coleções particulares e museus remotos. E assim como a sua obra está fragmentada e meio esquecida, também sua biografia é cheia de sombras, de incógnitas e perdas: por exemplo, extraviaram-se as cartas ao seu pai e a Rodin.  Como se o destino desta mulher tivesse sido o de esfacelar-se, o de destruir-se. A vida de Camille Claudel é como aqueles desenhos na areia logo apagados pelas ondas.


Camille Claudel - "Jovem com um feixe [de trigo]" (1887)


Embora a relação sentimental com Rodin pareça bastante convencional, a artística, pelo contrário, é única. 
É claro que ele a influenciou, mas o que não está suficientemente reconhecido e quantificado é até que ponto a recíproca também é verdadeira: provavelmente ela o influenciou muito (a década que passaram juntos foi a de maior criatividade para Rodin). Às vezes produziram ao mesmo tempo esculturas praticamente idênticas, como Galateia, de Rodin, e A moça com feixe de cereais, ou Moça sentada de Claudel, mas quem copiava quem? No caso citado, a peça está muito mais dentro do estilo dela. Ao contrário de Auguste, Camille esculpia extraordináriamente o mármore, de modo que as peças feitas nesse material seguramente passaram pelas suas mãos. Por outro lado, as obras sem assinaturas foram atribuídas automaticamente a Rodin, embora pelo menos em uma ocasião tenha sido possível demonstrar posteriormente que a peça era de Camille. Além disso, ela colaborou em incontáveis esculturas de Rodin (sabe-se, por exemplo, que fez pelo menos as mãos e os pés de As portas do inferno).
Durante as décadas em que trabalhou com ele, e apesar de sua laboriosidade incessante, Camille assinou muito poucas obras: o resto do seu esforço, portanto, foi vampirizado pelo mestre. Não há provas de que Rodin a tenha remunerado alguma vez com um  salário fixo (que foi como ele próprio começou a ganhar a vida: com um emprego de aprendiz), como tampouco lhe pagou o trabalho de modelo: ela posou para ele incontáveis vezes, ocupação que consumia muito tempo e que habitualmente era remunerada. Quando Camille foi expulsa da casa de sua família em 1888, Rodin encarregou-se do aluguel e da despesas dela: na realidade um acordo humilhante que a condenava a ser a “amásia”, em vez de obter ajusta independência proveniente de um salário ganho com seu esforço.
Não quero com tudo isto dizer que Rodin não fosse um gênio; ele o era, disso não há dúvida. Mas Claudel também era genial, e quando se conheceram ele era um homem já maduro e ela uma jovem transbordante de ideias. Rodin pôde tirar partido daquela criatividade e daquele talento, inclusive depois de romper a relação amorosa, porque o resto de sua obra,  até à sua morte em 1917, consistiu sobretudo em variações sobre os  temas surgidos durante seu período com Camille (frequentemente, talvez, a partir das ideias dela?). É verdade que Rodin escreveu cartas laudatórias sobre sua aprendiz e  recomendou vivamente o seu trabalho aos críticos; que quando ela adoeceu ele lhe deu a uma pensão de quinhentos francos anuais (uma miséria, sem dúvida); que acalentou a ideia de dedicar-lhe uma sala em seu museu Rodin, e que, quando lhe perguntaram sobre a sua discípula, respondeu com a célebre frase “eu lhe ensinei a buscar o ouro, mas o ouro que ela encontra é só seu”. Mas ao ver toda a história em seu conjunto, você não pode evitar a sensação de que Rodin se aproveitou da escultora; e de que, quando a apoiava, era por culpa e com um certo paternalismo.


"A Onda" (1903)


Em 1893 Camille tinha 29 anos e já não era a moça de antes, disposta a devorar o mundo. A vida tinha dispersado seus sonhos; o amor de Rodin transformara-se numa rotina clandestina e talvez sórdida, e por mais que se esforçasse como escultora, seu  talento não era reconhecido: a sombra do mestre a esmagava. Por isso, Camille rompeu com Rodin nesse ano (embora os dois continuassem se vendo e passando as férias juntos até 1898) e  buscou seu próprio estúdio. É de supor-se que a partir de então se manteve  a si mesma, o que a condenou a um empobrecimento progressivo até chegar a aflorar a autêntica miséria. A escultura é uma arte muito cara: Camille tomava empréstimos, endividava-se, trabalhava no design industrial fazendo luminárias art nouveau; mas mal conseguia pagar as matérias primas, e não conseguia custear os modelos nem os ajudantes, de modo que tinha de trabalhar de memória e fazer tudo sozinha, incluindo a cansativa tarefa de polir. Vivia em habitações tenebrosas e carecia do mais básico: aquecimento no inverno (com as temperaturas congelantes, a argila se desmanchava), de roupa decente: “Não tenho casaco nem sapatos, as minhas botas estão completamente gastas”. Mas se esforçava, e muito para obter uma obra sublime, por ser reconhecida. Vivia somente para o trabalho; salvo uma efêmera e pouco clara relação com o compositor Debussy, Camille não voltou a apaixonar-se e foi-se encerrando cada vez mais em si mesma. A imprensa e a sociedade conservadoras catalogavam as suas esculturas inovadoras como “mastodontes de gesso”, embora no final do século alguns críticos importantes começassem a afirmar que Claudel era genial. Mas esta apreciação era minoritária demais e Camille continuava sem poder se manter. Enquanto isso, Rodin triunfava clamorosamente com umas esculturas ainda mais transgressoras do que as de Camille (e, como vimos mais acima, talvez inspiradas nas idéias dela). Por que motivo o radicalismo dele era aceito e o dela não? Até os críticos que a admiravam a viam como uma anormalidade: “Uma revolução contra natureza: a mulher de gênio”, dizia um; e os outros elogiavam a sua escultura dizendo que era “viril e poderosa”. Há uma fotografia de Camille de 1889, depois que ela rompeu definitivamente com Rodin, gorda e envelhecida apesar de apenas ter trinta e cinco anos (ao que parece bebia muito), talhando um Perseu que corta a cabeça da Medusa: e o rosto da criatura decapitada é o seu próprio. Nessa altura Camille já se considerava  um monstro, uma Górgone outrora poderosa a quem o herói viril retalha a força e a garganta. E então ela enlouqueceu, é o que dizem as crônicas. Mania da perseguição, psicose paranóica. Toda a sua frustração e todo o seu agudo sentimento de injustiça viraram-se contra Rodin. Numa metáfora da realidade levada até ao delírio, Camille acreditava que Rodin roubava-lhe as ideias e que até liderava uma conspiração para matá-la. Trancou-se em sua miserável casa e não via ninguém. A partir de 1905 começou a quebrar à martelada todas as obras concluídas, para que os seus inimigos não pudessem apropriar-se delas. 
"As Bisbilhoteiras" (1893)

No dia 2 de Março de 1913 morre o pai de Camille (ela não tem conhecimento do fato: ninguém a avisou) e no dia 10 de Março dois enfermeiros irrompem em sua casa e levam-na à força para o hospital psiquiátrico de Ville-Evrard. Tinham-na encontrado toda encolhida na penumbra, rodeada pelos fragmentos das suas obras partidas. Camille estava desequilibrada, isso é claro, e certamente precisava de ajuda médica. Mas é também como se, uma vez morto o pai, a mãe se vingasse. E essa suposta vingança é terrível, repulsiva. Em 1915, Camille foi transferida de Ville-Evrard para Montdevergues, um manicômio muito longe de Paris e de uma reputação sinistra. E não mais saiu delá, apesar de suas constantes e comovedoras súplicas. Morreu naquela prisão em 1943. Passou trinta anos internada. Durante todo este tempo Camille não parou de pedir pateticamente que a tirassem dali. Primeiro reclamava que a pusessem em liberdade; depois, à medida que os anos passavam e ia perdendo as esperanças, apenas suplicava que a transferissem para outro hospital em Paris, para assim estar mais perto dos seus. E no fim a única coisa que pedia era que a visitassem. Nem a sua mãe (que morreu em 1929) nem a sua irmã Louise foram alguma vez vê-la. Paul, sim, visitava-a, mas muito pouco, em parte porque viveu durante muito tempo fora de França. Paul foi, de toda a família, quem mais afeto mostrou por Camille; mas apesar da sua preocupação por ela, a sua atitude neste assunto é um tanto ambígua. De fato, foi ele quem a meteu no hospital e, por outro lado, por que não a libertou ou pelo menos não a mudou de hospital depois da morte da mãe? Camille manteve até ao fim dos seus dias as suas manias de perseguição centradas em Rodin, mas, fora isto, estava completamente lúcida e não era nada agressiva. Não parece que fosse realmente necessário mantê-la encerrada. Embora se preocupasse com a sua filha no aspecto material, no resto a viúva Claudel comportou-se com uma dureza que me atreveria a qualificar de sanha. Por exemplo, proibiu-a escrever e receber cartas (exceto as de Paul ou as suas), bem como receber visitas. O manicômio era um lugar gelado (“está tanto frio que hoje nem consegui levantar-me”) onde não havia qualquer atividade organizada, pelo que Camille passava os dias imersa numa atonia amorfa e absoluta. Em 1920, o diretor do hospital psiquiátrico disse que os delírios de Camille já estavam muito mais suaves e que se podia tentar uma saída do manicômio: mas a mãe se opôs a essa ideia. Então o médico propôs que pelo menos a transferissem para Paris, para mais perto dos amigos e da família, “porque a ausência de visitas é muito dolorosa para a menina Claudel”. Mas também a isto se opôs a anciã: possivelmente ela queria a filha longe, muito longe, enterrada em vida. Em 1927, o novo diretor de Montde-vergues também teve pena do terrível castigo de Camille e escreveu à viúva para que fosse ver a filha, coisa que “daria uma grande alegria a nossa enferma , devolvendo a ela alguma esperança de libertação”. Mas também este pedido foi ignorado. “[Camille] tem todos os vícios, não a quero ver, fez-nos muito mal”, escreve a mãe ao médico. A vingança de sua mãe não é só pessoal, mas também social: é a burguesia ultraconservadora que castiga a rebelde. “Censuram-me - oh, crime espantoso! pelo fato de eu ter vivido sozinha”, escreve Camille em 1917.


"Reflexão Profunda" (1898)

No manicômio ninguém conhecia a sua profissão de escultora: ali era simplesmente a irmã de Paul Claudel. O amante de um ou a irmã de outro, mas nunca ela própria: como digo, o seu destino foi desaparecer. A atual Enciclopédia Britânica concede uma fotografia e duas colunas de texto a Paul Claudel, mas a Camille, que vem mesmo por cima, só lhe concede a seguinte linha: “(c. 1883-1898), amante e modelo de Rodin”. Repare-se que as datas só abrangem o período que Camille passou com Auguste, como se fora dessa relação ela não tivesse existido. Quando, doze anos depois da sua morte, os herdeiros quiseram recuperar o cadáver da artista e tirá-lo do cemitério do manicômio, foram informados de que a zona fora remexida e de que os restos mortais se tinham perdido: Camille nem sequer tem uma sepultura. Existe uma fotografia dela nos anos trinta em que aparece transformada numa anciã consumida, com um casaco enorme, um chapéu ridículo e uma comovente expressão de tristeza. Foi nessa época que ela escreveu a um amigo estas frases tremendas: “Caí no abismo. Do sonho que foi a minha vida, isto é o pesadelo”.


"A Idade Madura" (1899) - Museu D'Orsay - Paris



BIBLIOGRAFIA
Camille Claudel, La internada, Anne Rivière, Nuevo Arte Thor. Camille Claudel,
Reine-Marie Paris,
Gallimard, Paris. Une Femme, Anne Delbée, Le Livre de Poche, Paris. Significam
Others, Livro colectivo;
ensaio sobre Claudel, de Anne Higonnet, Thames and Huston, Londres.

15 de dezembro de 2010

A última entrevista de Clarice Lispector foi concedida a TV Cultura em 1977


 









A Imagem mais duradoura de Clarice Lispector no final da vida, talvez a imagem mais duradoura de Clarice Lispector em qualquer momento da vida, vem de uma entrevista que ela deu em Fevereiro de 1977. Foi a única vez que Clarice falou diante de uma câmera, e, por essas imagens serem únicas, a entrevista teve um impacto muito maior na sua imagem pública do que as que ela concedeu quando era mais jovem, mais saudável ou mais enérgica.
É difícil assistir a entrevista na íntegra. Com seu célebre olhar penetrante, Clarice encara diretamente o entrevistador, seu rosto uma máscara quase imóvel. Sentada numa cadeira de couro pardo, segura uma grande carteira branca na mão esquerda e um cigarro Hollywood na queimada mão direita. Fumando sem parar no meio de um gigantesco estúdio cinzento, pontuando a entrevista com longos e sugestivos silêncios, ela responde as perguntas com sua voz estranha e inconfundível.
Todos no estúdio tinham uma sensação de presságio, disse o entrevistador, o jornalista judeu Julio Lerner. Ele estava consciente do tremendo peso do momento e sentia uma responsabilidade histórica: "Nem kafka, nem Dostoiévski, nem Fernando Pessoa, nem Peretz" jamais tinham sido registrados em filme. Cabia a ele registrar Clarice Lispector. Dispunha de trinta minutos.

12 de dezembro de 2010

O LIVRO APÓCRIFO DE I ENOQUE, OU ENOQUE ETÍOPE (RESUMO)


Por Jones Mendonça

Um dos livros apócrifos mais fascinantes é sem dúvida o livro de I Enoque (ou Enoque etíope), geralmente datado para o século II a.C. Este livro foi redigido originalmente em aramaico, mas a única versão disponível hoje está em etíope. Escrito em linguagem apocalíptica, entre 170 e 64 a.C., o livro carrega algumas semelhanças com o Apocalipse de João, cuja composição se deu mais de dois séculos depois. Abaixo um trecho do livro que descreve o nascimento de Noé:
Depois de alguns dias, meu filho Matusalém escolheu uma mulher para seu filho Lamech; ela engravidou e deu à luz um menino. O seu corpo era branco como a neve e vermelho como uma rosa, os cabelos da sua cabeça eram como a lã e os seus olhos como os raios do sol. Quando abriu os olhos encheu a casa de luz como o sol, e toda ela ficou muito iluminada (I En 106,1).
Outra parte bastante interessante do livro são os capítulos 6 a 16, que narram a queda dos anjos após desobedecerem a Deus acasalando-se com as mulheres humanas. Tudo começa com Semjaza, um anjo disposto a pagar o preço por sua desobediência. Ele relata seu desejo aos demais anjos, que decidem segui-lo no plano. Semjasa é acompanhado por mais dezoito anjos, que por sua vez chefiam, cada um, outros dez. Após levarem a cabo o plano, problemas inusitados começam a surgir:
Elas [as mulheres humanas] engravidaram e deram à luz a gigantes de 3.000 côvados de altura. Estes consumiram todas as provisões de alimentos dos demais homens. E quando as pessoas nada mais tinham para dar-lhes os gigantes voltaram-se contra elas e começaram a devorá-las (I En 6,2).
Mas os problemas não param por aí. Os anjos rebeldes transmitem seus conhecimentos aos homens, tais como a astrologia, a metalurgia, a ciência da confecção de cosméticos, as fases da lua, a feitiçaria, etc. Tais conhecimentos causam muitas guerras e o homem chega perto da aniquilação.

Após ouvirem o clamor dos homens e virem todas as desgraças causadas pelos anjos rebeldes, Miguel, Uriel, Rafael e Gabriel relatam o problema ao “Senhor dos mundos”, que decide purificar a terra com um dilúvio e punir os anjos perversos lançando-os num abismo de fogo.

O livro é fruto de uma tentativa de preencher uma lacuna existente no capítulo seis do livro do Gênesis:
“viram os filhos de Deus (hb. bney haelohim) que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram” (Gn 6,2).
No relato do livro de Enoque os bney haelohim (filhos de Deus) são os anjos e a decisão de Deus de destruir a terra (Gn 6,7) é provocada por esse episódio.

Resquícios da história contada neste livro são percebidos na epístola de Judas (Jd 14, s).

Para ler mais a respeito dos livros apócrifos, clique aqui.

Imagem:
Beccafumi, Domenico
Queda dos Anjos Rebeldes
c. 1528
Óleo sobre madeira, 347 x 225 cm
San Niccolò al Carmine, Siena