Pobres humanos... Escravos de seus próprios sonhos e presos pelos grilhões do ceticismo, eles são incapazes de vislumbrar e sentir a imensidão da verdadeira não-realidade que os rodeia. Certos de sua superioridade genética, os homens desconhecem as forças motrizes do Universo e julgam-se filhos das estrelas por terem pisado em solo lunar. Tolos pretensiosos... A Mãe-Terra aconchega outros animais muito mais interligados ao nicho macrocósmico. Os insetos e suas regras sociais quase geométricas. As aves e seu instinto de vôo em plena harmonia com o magnetismo polar. Os mamíferos aquáticos e seus mistérios inimagináveis. Tantos exemplos da irracionalidade superior, construídos sobre o primitivismo da Criação. Entre eles, porém, uma espécie se desenvolveu vertiginosamente, animais estruturalmente perfeitos: rápidos, ágeis e fortes. Completamente auto-suficientes, eles fingem ser domesticados pelo homem apenas por conveniência. Sua beleza inegável entra em conflito com a ferocidade repentina de seus atos. Possuidores de olhos que se igualam às mais raras e preciosas gemas, eles vêem coisas invisíveis à percepção humana: seres de outras dimensões, espíritos errantes, imagens aleatórias do passado e presente. Amados por poucos, mas odiados por muitos, estes fantásticos animais são comumente chamados de gatos. Chat, Cat, Pushak, Die-Katze, Gatto, Gato... Não importa em que língua seja pronunciado, sua majestade é inegável. Muitas foram as culturas que utilizaram esses "inofensivos" felinos como símbolo de adoração. Hoje a descomunal e misteriosa Esfinge do Antigo Egito é o maior monumento arquitetônico dedicado a eles. Em sua época áurea, o império que surgiu às margens do Nilo reverenciava o gato como um animal sagrado por causa de sua ligação com a deusa da Lua, Pasht. Da mesma forma, a deusa que representava o Sol, Bast, possuia a cabeça de um felino. Alguns pesquisadores acreditam que ele era adorado pelos egípcios porque tinha a capacidade de "enxergar ou sentir" a presença de espíritos bons e maus. Depois, provavelmente comercializados pelos fenícios, esses animais chegaram à Europa. Infelizmente, os bichanos não foram vistos com bons olhos pelo fanatismo doentio da Igreja da Idade Média. Os outrora sagrados animais egípcios (principalmente os de cor preta) passaram a ser sacrificados pelas chamas da Inquisição. Daí se originaram ditados populares como "jamais deixar um gato preto cruzar seu caminho" e outras tolices inerentes à "sapiência" humana. Algum tempo depois, ainda em descrédito religioso, eles serviram para conter a peste negra, caçando os ratos que se alastravam pelas cidades. Mais tarde, com a colonização americana, os gatos finalmente alcançaram o Novo Mundo e foram usados, uma vez mais, como "ratoeiras móveis peludas" (naquela época, a ACME INC.ainda não tinha desenvolvido nenhuma parafernália tecnológica como "rat terminators" ou coisa parecida...) nas cidades e, até mesmo, no campo. Em decorrência desses lamentáveis incidentes, o "pequeno grande felino" passou a ser retratado como um reles inimigo mortal dos vorazes roedores.Humpf!!! Que absurdo! Uma verdadeira afronta a um ser tão nobre! Hoje, os gatos reconquistaram um certo status na sociedade pseudo-evoluida dos homens, tornando-se dóceis e carinhosos "bichinhos de estimação". Na verdade, os humanos é que cederam ao ronronar hipnótico e começaram, sem perceber, a entrar num processo irresistível de "felinização". Não há como escapar. Quando a noite chega, trazendo consigo a areia mágica soprada por Morpheus, os "donos do mundo" perdem-se em sonhos fúteis que apenas preenchem suas frustrações pessoais. No entando, aqueles que foram venerados como deuses no berço da civilização sonham coisas estranhas, como mudar a realidade. No sonhar, eles planejam um complô contra a humanidade. Se a presente situação irá mudar ou não, apenas o Destino sabe dizer. Não nos convém, entretanto, atravessar uma ponte antes que ela seja construída. Bem... A história foi contada. Verdade, mentira, devaneio... Que diferença faz? É apenas um sonho dentro de sonhos. E, neste momento, a única coisa que me veio à mente é um velho ditado inglês: "Somente um Rei é capaz de fitar os olhos de um gato".
Neil Gaiman
adorei
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