Diversas armadilhas
ameaçam a compreensão originária da essencialização da linguagem. A primeira e
mais ardilosa, engodo que cerceia e encerra toda a compreensão lógica,
gramatical, linguística ou filológica da linguagem, é tratá-la como algo, um
ente simplesmente dado ao nosso manuseio, passível de ser objetivamente
compreendida e determinada.
Esta
armadilha, por sua vez, sustenta o seu embuste na própria possibilidade
gramatical de substantivar os verbos, o que foi denominada pelos gramáticos
latinos de “modus infinitus”. No infinitivo, o verbo se transfere para a forma
nominal do substantivo e, perdendo deste modo a sua referência com a ação,
passa a ser compreendido como um ente; a ação se transforma em coisa, dando
assim a ilusão de ser algo determinado. É o que ocorre, por exemplo, com o
verbo jantar, na frase: “ o jantar está servido” – ele é de tal modo
substantivado que torna-se difícil, é só a custo de um grande esforço, pensá-lo
como ação, um verbo, e não como ente, um substantivo.
No caso de
“linguagem”, assunto que agora investigamos, para nós de língua latina, essa
armadilha é mais insidiosa, pois perdemos completamente a referência verbal
deste substantivo, a medida que o nosso verbo falar já provém de uma outra raiz
– o que não é o caso, p. ex., da língua grega antiga, onde logos corresponde a légein,
ou da alemã, onde Sprache corresponde
a sprechen. Distantes da referência
com o falar, a linguagem possui para nós uma proximidade com a língua – “é uma
coisa da boca”.
Neste sentido,
conforme o propósito de Heidegger, o primeiro desafio para lograrmos uma
compreensão do sentido grego (heraclítico) de logos como linguagem é, atentos a estas armadilhas, não entendermos
a linguagem como substantivo – como algo,
um ente simplesmente dado ao nosso manuseio, passível de ser objetivamente
determinado -, mas pensarmos a linguagem na dinâmica que se perfaz como
com-preensão no falar e no ouvir (no escrever e no ler). O nosso primeiro
desafio consiste portanto em abdicarmos da intenção de entendermos o que é
linguagem por meio de determinações lógicas, para, despojados do afã da certeza
que só compreendem o que podem dominar, experimentarmos, na concordância de
nosso pensamento, a compreensão heraclítica de linguagem. Precisamos ainda
alertar para o perigo e outras armadilhas que, camufladas no pressuposto
metafísico de que o discurso seja a expressão sonora que representa o real para
a comunicação humana, também ameaçam a nossa compreensão originária de
linguagem – e de homem.
O Assunto e o Caminho do Pensamento de Heidegger (Fernando Mendes Pessoa)