Ninguém é uma ilha. Como já dizia o extraordinário Ernest Hemingway. O homem é um ser social, interdependente. E apesar de ser único em si, ele se relaciona e cresce com os outros. E isso torna a sua jornada muito mais leve e gratificante. Há uma cultura do eu sou isso, eu sou aquilo. Mas vou dizer que ao contrário do que sente a maioria das pessoas que está se auto-afirmando em sua personalidade... Influenciar os outros é bom sim, mas ser influenciado é tão bom quanto deixar sua marca no mundo! E melhor ainda: não mata.
A seguir vou reproduzir um diálogo. Um diálogo muito especial, de um livro lindo que eu li em 2007 e que me despertou sentimentos tão nobres. E é daqueles livros dos quais a gente nunca mais esquece, nem que seja um pouco da essência da autora, que fica pra sempre como um perfume no espírito da gente.
Ela é pra mim, minha escritora favorita. Aquela com quem eu mais me identifico.
Rosa Montero, é claro. Segue um trecho do livro dela...
[...]
- Continuas escrevendo teu livro de palavras?
A pergunta de Nyneve me surpreende. Endireito-me e olho para ela. Minha amiga, que também está trabalhando na horta, descansa apoiada na enxada.
-Sim. Por quê?
- Porque eu queria te presentear com uma palavra. A melhor de todas.
- Ah, sim? Qual é?
- Compaixão. Que, como sabes, é a capacidade de colocar-se na pele do próximo e de sentir com o outro aquilo que ele sente.
- Sim, gostei. Mas porque dizes que é a melhor?
- Porque é a única das grandes palavras pela qual não se fere, não se tortura, não se aprisiona e não se mata ninguém... Antes, pelo contrário, ela evita tudo isso. Há outras palavras muito belas: amor, liberdade, honra, justiça... Mas todas, absolutamente todas, podem ser manipuladas, podem ser lançadas como armas e causar vítimas. Por amor ao seu Deus os cruzados acendem as piras, e por aberrante amor os amantes ciumentos matam suas amadas¹. Os nobres maltratam seus servos e abusam barbaramente deles em nome de sua suposta honra; a liberdade de uns pode implicar prisão e morte para outros; e, quanto à justiça, todos crêem tê-la do seu lado, inclusive os tiranos mais atrozes. Somente a compaixão impede esses excessos; é uma idéia que não se pode impor a sangue e fogo sobre os outros, porque te obriga a fazer justamente o contrário, te aproximares dos demais, a senti-los e entendê-los. A compaixão é o núcleo do melhor que somos... Lembra-te dessa palavra, querida Leola. E, quando te lembrares, também pensa um pouco em mim.
Rosa Montero
História do Rei Transparente - pág. 345 e pág.346.
¹ – Claro que a autora descreve tais exemplos referindo-se à época em que se reporta no livro - e aliás descreve-os muito bem - que se trata da Idade Média. Mas hoje, na ‘modernidade’, ainda que tenhamos exemplos muito diferentes quanto ao gênero e ato típico-cultural dos praticantes, as mulheres, infelizmente, ainda são as maiores vítimas dessa distorção e manipulação de valores imposta pelos homens.